Sempre acreditei, e continuo a acreditar na idéia de que todo ser humano traz atrelada à sua personalidade, alguma característica, algum dom, alguma habilidade que o diferencia, corroborando com o clichê de que “cada pessoa é um universo”. Seja uma destreza manual, uma sensibilidade aguçada de um ou mais dos sentidos, odor, visão, isso me parece constatável quando me ponho a observar os inumeráveis “universos” ambulantes que vão passando pela minha vida.
Enxergo em mim, uma forte e presente sensibilidade auditiva, que sempre me pôs a ter na música um prazer de inquestionável grandeza, e nos sons em geral, referenciais que acionam os meus mecanismos de memória, fazendo com que, ao identificar determinado tipo de som, associe de imediato aquele ruído a uma circunstância passada, a uma pessoa, a um sentimento.
Hoje, enquanto estou aqui sentado em meu quarto escrevendo esse texto, não tenho como desviar a memória de um som que até há pouco, povoava meu cotidiano, me permitindo sentir a presença de uma pessoa tão marcante em minha vida, que não há como dissociá-la de minha existência. São sons firmes, ritmados e fortes, dos sapatos que calçavam os pés que guiavam os passos de meu pai.
Hoje esse som é possível apenas em minha memória. Hoje já não tenho mais como sentar com meu pai, trocar palavras, comentar sobre um ou outro fato do dia a dia. Hoje meu pai não está aqui, ou ao menos não tem mais como produzir aquele som que em mim sempre identificou sua presença tão importante em minha vida. Hoje meu pai descansou, e nesse exato momento, me sinto um pouco órfão, ainda que aliviado por não mais vê-lo definhando no leito de uma UTI hospitalar.
Hoje e certamente no futuro, ou sempre que me lembrar do meu pai e aquela saudade que sentimos das pessoas a quem amamos me invadir, pois sei que não mais estarei em sua presença física, sinto que jamais me esquecerei daquele ritmo firme de seus passos, caminhando pela casa e produzindo aquele som de solas de sapatos na madeira do piso da sala, quarto, corredor. Hoje sinto saudades, mas resigno-me, por ter tido a oportunidade de ter como pai um homem que mesmo tendo sido moldado em contextos e valores passados, soube adaptar-se com personalidade e de maneira dócil e paciente ao mundo de ansiedade e frieza que habitamos. Hoje agradeço a dádiva de ter sido filho de meu pai, e desejo que ele descanse, sabendo que o amava.
Um beijo, meu pai. Esteja onde estiver, lembre do que te disse nas últimas vezes em que te vi.
Lembre-se que te amo.
Luiz Alves de Souza
In memoriam
(*17 de agosto de 1933 †28 de novembro de 2009)
Rodrigo