Quando a morte visita o bar
O bar, pela função social que assume, agrega personalidades que tem a princípio, um mesmo interesse. E por difícil que às vezes é aceitar isso, melhor assumir logo, o álcool é o motivo primeiro do ato de se locomover para estacionar em um lugar e permanecer, deixando de lado obrigações importantes, mas que há de se convir, totalmente desinteressantes, se a outra opção te conduz a sorver sem delicadeza, uma dose de bebida destilada que te levará ao paraíso... e que será seguida de outra e mais outra, fazendo com que os mais assíduos, e nesse caso deve-se salientar, diários mesmo, freqüentes, rotineiros, acabem por estabelecer um convívio intenso, que leva o bar de volta à função social de agregar essas personalidades. Alguns chegam a chamar o bar de "farmácia". São os primeiros a chegar, levados pelo desconforto que a abstinência do álcool provoca no organismo. Há também (nesse caso inumeráveis) gaiatos que dão o status de "escritório", ou seja, o ambiente de trabalho daquele sujeito quando "o beber o chama", ao bar.
Nessa verdadeira fauna de habituées, é possível observar algumas personalidades bastante singulares. Lembro de um conviva de bar já alvo da visita de "Tânatos". Um amigo de quem guardo boas recordações e histórias, dentre elas, uma idéia que guardou na cabeça, de colocar três filmadoras em diferentes ângulos do botequim, com o objetivo de registrar aquele festival bizarro de circunstâncias e pessoas, que diariamente se fundiam no bar, promovendo situações que nos botavam a chorar de tanto rir. Mas sempre que a morte visita o bar, ceifando a vida e a presença de um dos membros daquele ambiente cheio de realidades expostas ao mesmo tempo em que guardadas, pois o álcool nem sempre é capaz de romper determinadas barreiras pessoais, aquele pequeno grupo social, manifesta seu pesar.
Francisco era um grande sujeito, em todos os sentidos, mas um tanto ímpar também. Chamava a atenção a presença daquele camarada alto, me passava a impressão de medir dois metros ou mais. Além de alto, forte também, fora excelente capoeirista. Tinha um jeito sisudo, aquela famosa cara de poucos amigos, porque na verdade, quase sempre chegava e se isolava em uma mesa, com volumes consideravelmente grandes de textos em folhas, que lia meticulosamente por ser um profundo conhecedor da língua por profissão, e creio eu, por prazer também. Revisava textos de livros, revistas, publicações, e nesse momento, não gostava muito de ser importunado. Ostentava barba e cabelo compridos que não aparentavam receber muitos cuidados. Ombros largos, impossível não reparar o tamanho de suas mãos, quando as estendia para cumprimentar alguém. Mas terminado seu trabalho, a sisudez dava espaço a um jeito alegre e brincalhão. Insubordinado, não era muito dado a regras de etiqueta, nem à patrulha do "politicamente correto". Era um sujeito sincero, transparente, não se escondia atrás de encenações, era o que era e pronto! Costumava-se dizer em alguns bares aos quais frequentava, que bastante cedo começava sua via sacra pelos botequins que o tinham com deferência e como referência também, cruzando a cidade de ponta a ponta, para bater seu ponto em seus muitos "escritórios".
Recentemente havia escapado da morte em uma tentativa de assalto, chegou a ser baleado, mas era forte, não sucumbiu nessa ocasião. No entanto a morte não permite exceções. Apesar de tão temida, é bastante honesta, irá apresentar-se a todos, indiferente às diferenças que separam ricos de pobres, feios, bonitos, homens, mulheres... passei por um desses redutos boêmios por esses dias, apenas para confirmar a notícia de que os bares estavam mais tristes, um dos seus não mais apareceria. Francisco pegou o bonde.
Rodrigo
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