25 de março de 2009

Brasília, 26 de agosto de 2003.
Restauração dentária!? Sem anestesia não! Tomara que não seja canal. Canais dentários não são bons canais, aliás, a dor não é uma boa. Mau canal. Buraco fétido, odor de carniça que pela proximidade das fossas nasais, torna-se ainda mais ofensivo, intrusivo e repugnante.A idéia básica é a seguinte. Desencontro. A partir daí, tempos idos, memórias distantes, exclusão por atemporalidade do cenário inicial.O quê dentes podres tem a ver com desencontros?O único elo que vislumbro, traz à tona uma constatação medíocre, de que em ambas as situações há possibilidade de reestruturação ou perda. Mas esta relação é por si só pobre demais, e superficial também, com falhas de argumentação e inteligibilidade, para que ocupe meu tempo em perdê-lo na tentativa de imaginar metáforas que terão por objetivo convencer-me, como pré-requisito para que execute qualquer esforço no sentido de realizar o que a princípio deveria ser um elaborado projeto.De fato, os "dentes podres" são um reflexo de minha divagação que mistura momentos do cotidiano, como a necessidade de realizar uma intervenção odontológica, e as demais atividades às quais me proponho.Não seria então mais fácil anular, esquecer, apagar essa idéia da cabeça e partir para um mote melhor, mais detalhado e convincente, realizável, sensato? Sem dúvida, mas o verbete "fácil" no início do questionamento pressupõe obviamente, "facilidade", "conforto", termos com significados quase que antagônicos aos de "honestidade" e "perseverança", qualidades de caráter, ainda que sob a ótica do moralismo maniqueísta judaico-cristão ocidental, que há séculos é imposta como norma, já sem discordância da massa.Por fim chego à conclusão que à medida que o tempo passa e esta folha de papel vai ganhando cicatrizes que eu, como algoz do inanimado sigo imprimindo-lhe a canetadas, me encontro encurralado e com a impressão de que gasto meu tempo entre topadas e esbarrões. Alguns dão a impressão de brevidade, outros não. Mas também uma carga de desencontros, e não raro percebo que chego ao desencontro de meu "EU", ou ao menos parte dele, passando longos períodos convivendo com minha ausência, como se parte de mim houvesse saído em viagem, e quando do retorno, portasse consigo apenas uma fração, um conglomerado de subsistemas do complexo sistema "EU", e deixasse para trás uma parcela menor, mas certamente importante desse sistema, que não pude, nem agora posso ou no futuro poderei conhecer melhor e adicionar ao meu rol de referenciais pessoais, com vistas às minhas análises autocríticas.Se fosse escrever a biografia de um conviva de presença constante em minha existência que me veio à cabeça agora, ou mesmo a minha própria autobiografia, não poderia deixar de mencionar um bordão pronunciado à exaustão, e outras vezes não pronunciado, mas retumbante nas idéias como que audível sem a presença de som, apenas subentendido. Esse bordão é:"Pensar dói!"Por anos achei tal frase conclusiva quanto ao seu objetivo, que em meu entender reside no antagonismo entre "pensar", um ato carregado de subjetividade implícita, e "doer", uma sensação que se deflagra, a princípio fisicamente, e chegar ao argumento, a meu ver irrefutável, mas que também leva a orgasmos múltiplos os PhDs da inteligência emocional, de quão gigantesco é o poder da mente. A ponto de impor através de seus mecanismos muito infimamente utilizados, ou mesmo desconhecidos dos indivíduos, sentimentos capazes de mostrar que a dor não se apresenta unicamente no âmbito físico, palpável do ser humano, mas em sua consciência, em seu imo.Na biografia do tal conviva, incluiria também outro bordão:"Você é tão saudável quanto se sente!". Bordão esse que não adoto mais por motivos de foro íntimo, circunstâncias pessoais, que não me permitem a convicção necessária para que concorde com essa expressão.Pois bem, hoje vejo que se "pensar dói", realizar alivia a dor, afinal, sofrer é pensar no sofrimento, frustração é pensar em algo que você quis fazer e não fez e, além disso, não utilizou o pensar para transpor essa frustração, e por fim, ainda pensa ser mais fácil estabelecer uma relação de culpa, uma das pragas da sociedade humana através do tempo, que a exemplo da ansiedade, outra dessas psicopatologias do mundo contemporâneo, essa então uma verdadeira epidemia que não é tratada como tal, ao menos não racionalmente, por nós, humanóides que em nossa ambição de perfeição e nossa vaidade fútil, acabamos por esquecer o que realmente somos, meros animais presunçosos, auto denominados "racionais", que utilizam a tal razão que nos diferencia, aliando-a a força bruta, na busca de objetivos egoístas, esmagando, ignorando etapas necessárias ao estabelecimento de práticas voltadas ao bem coletivo, que parece desinteressar a quem detêm poder.Não entendo o porquê de não podermos arbitrar ao menos acerca do que nos acompanha durante a nossa vida de seu início ao fim, a concepção de tempo que nos engloba, a disponibilidade de tempo em nosso cotidiano que não pré-direcionado à aquisição de numerário, que nunca irá comprar o tempo que foi perdido para adquiri-lo.
Talvez continue um dia...
Rodrigo

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