Baianos na TV: "Divino, Maravilhoso"
Folha de São Paulo - 30 de outubro de 1968
Um ano após o estouro de Alegria, Alegria e Domingo no Parque, um ano após a sacudidela na música popular brasileira, de que resultaram novas concepções, novos caminhos, somente um ano depois de discutidos, condenados e elogiados, Caetano Veloso e Gilberto Gil conseguem um programa na televisão. Só anteontem em “Divino, Maravilhoso”, na TV Tupi, o público telespectador, ou a massa média, começa a apreciar mais extensamente a estética nova que os baianos se propõem e propõem comunicar. Só agora, com programa regular, sistemático, Caetano e Gil têm oportunidade de testar o seu novo comportamento musical. Da aceitação popular ou não, da deglutição ou não, do consumo ou não, já que eles estão na faixa do “produssumo” - produzir para o consumo, no neologismo criado por Décio Pignatari - depende a sobrevivência do grupo e a validez de suas teses, ou de sua revolução.Folha de São Paulo - 30 de outubro de 1968
Um novo conceito estético, radicalmente desvinculado do passado (“Isso que anda por aí está tudo velho”, disse Caetano) e, integralmente integrado no presente - não no futuro - é o que pretendem os baianos e foi o que procuraram mostrar anteontem na estréia de “Divino, Maravilhoso”.
O programa é produzido por Fernando Faro e Antonio Abujamra e tem o próprio Cassiano Gabus Mendes, diretor da estação, trabalhando no corte de imagens. Irá para o ar toda segunda-feira, às 21h30, até dezembro, quando termina o contrato dos artistas com a Tupi. Ou por muito tempo ainda, se tudo der certo, ou melhor, se as novas estruturas, ou as novas anti-estruturas passarem a ser consumidas.
Do primeiro “Divino, Maravilhoso” participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Bem, Os Mutantes, Gal Costa e o conjunto Os Bichos. Quem ficou em casa para ver mais um programa de televisão, enganou-se e, diante do engano, ou aplaudiu com entusiasmo ou vaiou com ódio. Indiferente ao que acontecia no palco, todo decorado com quadros pop de um pintor japonês, é que não se ficou.
No começo aparece Caetano, de blusa militar aberta sobre o torso nu e o cabelo penteado. Senta-se num banquinho, em estilo ioga, e começa a cantar Saudosismo, sua nova música, toda nos moldes da bossa nova original, bem Tom Jobim, bem João Gilberto. Mas a música é para proclamar um Chega de Saudade e Caetano assanhar o cabelo e Os Mutantes entrarem em cena e começarem todos freneticamente, amalucadamente, a fazerem o “som livre”. No auge da improvisação, com guitarras, gritos e movimentos de quadris, Caetano diz que vieram mostrar o que estão fazendo e como estão fazendo. E o programa daí para o fim é o mau comportamento total, caótico nos sons e gestos, alucinação. Desfilam as novas músicas: Falência das Elites, Miserere Nobis, Baby, É Proibido Proibir, Caminhante Noturno, Panis et Circencis, etc. Cada qual se transforma num happening, num pretexto para extravagância, “loucuras”.
Para que Gil cante A Falência das Elites entram em cena várias latas velhas e é aquele baticum. Caetano deita-se no chão, rola-se como num estertor, vira as pernas para cima, de repente levanta-se e entra no ritmo alucinante, revirando os quadris, em gestos tão ousados que às vezes o próprio Cassiano não tem coragem de captar. O público, que lota o teatro do Sumaré, meio inibido no início, começa a aplaudir, Caetano fica satisfeito com a reação, mas depois diz que gostaria de mais participação, mais vibração. Nos próximos eles esperam, a coisa irá esquentar, por enquanto foi só o início.
No final do programa, em meio a um improviso em que todos entram, Caetano grita a palavra de ordem, “Acabar com o velho!” e dá um viva a Rogério Duprat, que está sentado na platéia.
É um programa quente, movimentado, tropical, imaginativo, diante do qual ou se tem amor ou ódio e que, por isso mesmo, vai dividir muito a opinião pública. Se pegar, como tudo indica, poderá ser para a música nova, o “som livre”, o mesmo que foi “O Fino da Bossa” para o tipo de música de que os baianos agora querem distância.
http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/report_baianos.php/
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